terça-feira, 31 de julho de 2012

Crônicas de um Vampiro - por Antônio Vilaça


Dia 1,
Tenho uma vizinha nova! Vi-a, da janela do meu quarto. Ela vinha num passo apressado e entrou para a antiga casa dos Compton. Não tive tempo suficiente para lhe ver bem a cara, mas pareceu-me daquelas caras de capa de revista. O cabelo é escuro e liso e entendiam-se perfeitamente os contornos de um corpo jovial e curvilíneo por baixo daquelas roupas pretas. Tive muita dificuldade em perceber que idade teria, mas também… nunca tive muito jeito para adivinhar a idade das mulheres.
Não percebo como uma rapariga nova veio parar a esta aldeia. Há anos que ninguém se muda para cá e os novos há muito que partiram. Não entendo. A casa está praticamente em ruínas. Amanhã vou tentar saber quem é. A palavra já deve correr a boca do povo, lá na vila.

Dia 3,
Ontem passei todo o dia a tratar da horta e a cavar o terreno para colocar novos enxertos das árvores de fruto. Com tanta chuva senti o sabor da ingratidão. A terra ficou lamacenta e todo o dia andei de pés ensopados. Todo o dia, por entre as sebes, lancei o olho à casa dela. Mas não me apercebi de movimento nenhum. Tenho pensado bastante nela. Ainda ontem lhe vi a cara e hoje já tenho dificuldade em recordar os traços! Já não sei se é bonita ou se parecia bonita. Vou para a cama porque já sinto um peso muito grande nos olhos. Só espero que não seja alguma gripe.

Dia 5,
Passei uma noite infernal! Tive um sono tão febril que não sei se dormi se sonhei acordado. Foi estranho. No meu sonho a mulher do lado atacava-me e mordia-me arrancando pedaços de mim à dentada. Era uma devoradora! Passei toda a noite nisto e não consegui nem um pouco de descanso. Não tive tempo de ir à vila e nem sequer saí de casa. Vou fechar as persianas e passar o dia na cama. Provavelmente foi de estar todo o dia à chuva…

….,
Hoje acordei durante a noite, creio que dormi todo o dia. Sem saber o que fazer, dei por mim à janela do quarto a vigiar o movimento na casa dela. Achei muito estranho, porque de noite houve muito movimento. Ouvi muitos barulhos e percebi que estava a fazer reparações na casa. Que raio de mulher passa toda a noite acordada a fazer reparações? Será que não dorme? Passou toda a noite a reparar as tábuas do chão e paredes, e martelava com a força de um homem. No fim disto, como se não bastasse, foi pintar toda a divisão da sala e do quarto. Será que ela é um deles? O melhor é mantê-la sobre vigia. Sexta-feira, no bar, O Xerife Duncan disse-me que tivesse cautela com os estranhos. Por causa daquela história de legalizarem os vampiros. Consta que desde que os legalizaram, os vampiros andam a espalhar-se pelas terras mais pacatas. E atacam as pessoas. Eu fiz pouco dele, mas agora já não sei o que pensar. Ahh aquele corpo dela…
…Adormeci a escrever. Vou-me deitar que já está a amanhecer e ainda estou com os dias trocados.

Outro dia,
Acordei já eram 6 da tarde. Tal era a vontade de a ver que a primeira coisa que fiz foi abrir as frestas da persiana e tentar perceber o que se passava na casa dela. Durante algumas horas não vi movimento nenhum. Depois: martelo, tintas, escadotes, tábuas e até mobília ela arrastou! Veio cá fora, já a noite tinha caído, e olhou para mim directamente. Como podia ela saber que eu estava por trás das cortinas? As cortinas são espessas, ela não me podia ter visto! Depois, tirou qualquer coisa da mala do carro, virou-me as costas e voltou para dentro de casa. Ela é uma vampira, agora tenho a certeza. Acho que até lhe vi o brilho nos olhos! Mesmo antes de virar a cabeça. Ela deve ter uma infravisão! Viu-me através das cortinas. Eu sei que ela viu! Tenho que contar aos outros! Esta mulher do diabo vai atacar-me e não tenho quem me valha.
Agora que lhe vi a cara tenho a certeza que é a mulher mais linda que já vi em toda a minha vida! Só quero beijá-la e agarrar aquele corpo para sempre nas minhas mãos! Dizem que eles nos conseguem “envolver” com o olhar. Meu Deus! O que me está a acontecer! Será que já estou sob o efeito do encantamento? Tenho que rezar, rezar!

Dia depois,
Reparei que o telefone não funciona. Ou foi da trovoada ou… ela cortou-me os fios do telefone? Será que vai atacar-me de noite? Fechei as portas e tranquei todas as janelas. Vi luz na casa dela. Fiquei tão ansioso que tive que sair e ir espreitar-lhe pela janela da sala. Deus não pode ter feito uma mulher assim! Que corpo! Que cabelo! Ela estava em silêncio e parecia estar com alguma coisa nas mãos. Mas estava de costas para mim e não pude perceber. Fui descuidado, dei um pontapé  numas ferramentas que ela tinha deixado no alpendre. Quando me baixei era tarde. Ela viu-me. Não falou mas tive a certeza que me tinha visto. Fiquei uns momentos de cócoras, mas depois decidi-me. Se ela me ia apanhar desprevenido então mais valia ser eu a surpreendê-la a ela. Peguei no martelo que estava no chão e de um salto atirei-me contra os vidros da janela. Ela não estava longe e praticamente cai-lhe em cima (tal foi o meu impulso ao saltar). Não sei se por medo, eu estava tremendamente acelerado e fiz tudo sem que ela tivesse qualquer hipótese de resposta. Eu sempre fui muito ágil. E bem me valeu esta agilidade. Aproveitando que ela estava desequilibrada saltei-lhe para cima, agarrei lhe os cabelos com a mão esquerda e ergui a mão do martelo para baixar sobre a vampira que me atacava. Mas não sei o que me deu, que em vez de baixar o martelo baixei a cabeça e puxei-lhe os cabelos para trás. Mordi-lhe aquele pescoço pálido com toda a força até os dentes lhe rasgarem a pele e apertei com as gengivas até sentir o sabor do sangue dela na minha língua. Depois, dei golfadas sequiosas enquanto ela esperneava lutando contra os meus braços, que a prendiam contra o chão. Depois deixou de lutar. Eu não conseguia parar. Sentia toda aquela beleza escorrer-me na garganta. Sentia-lhe todos os contornos do corpo no meu corpo e toda a inocência enchia-me de prazer. Toda aquela energia, toda aquela sensualidade eram agora minhas. Toda ela era agora minha!
Ela parou de se mexer. Tal era a excitação que só muito depois consegui perceber o que se tinha passado. Afastei-me dela com repulsa e o sangue quente escorreu-me pelo queixo pingando sobre as mãos.
Ela ainda estava viva… mas eu não… o vampiro SOU EU!

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